Buscava naquela manhã não apenas um mote, como se todos eles fossem
epifanias, daquelas que se tem uma e, pronto, já se pode ir indo!; não, naquela
manhã buscava apenas um mote, uma simples partícula de luz pra começar a fazer
ver um olho virgem, um bebê bem quando abre pela primeira vez um e depois o
outro olho e olha, inocente e apavorado, de relance, meus olhos fitando os
teus, teu amor pela primeira vez. Buscava naquela toda semana um motivo, apenas
ele, que, finalmente, pudesse me dizer: é a hora! e não disse, ainda espero. Abri eu
meus olhos, cansados já, olhos de revelar aptidões, eles, os meus olhos, de
encorajar almas, um olhar calmo que acalma, traz paz e voa pra longe tu que eu
tanto queria aqui, ali naquela cama tu, meu que já é teu novamente, teus meus
olhos te olhando apaixonados sob cristais maré. Acostumados, Vi enfim meu
quarto escuro, um único filete adentrando inocente pela porta à esquerda,
baixa, uma porta baixa de deixar filetes entrar pra me acordar um minuto antes
da hora, mas um minuto depois de te ver ir. Quisera ter sonhado mais; apenas um
leve inclinar da cabeça pra qualquer dos lados, um tonto desviar e me deixaria,
eu, contigo por mais um minuto, em te ver partir, tu que és puro desejar, meu
homem vertente. Levanto à direita e deparo-me com dois pares de sandálias, dois meus. O chão frio acordando o resto
de mim, um dois três quatro cinco passos, o coração taquicardia leve e um
receio me contamina quando sei que a única coisa a se fazer agora seria abrir a
portinha e olhar por ela mais um dia que se vinha pra me garantir que o freio
era muito mais que um tempo e olhar o sol cedo teria por fado me apalpar
fund’um feroz anseio meu por ter novamente ar no peito cheio de palavras pra
gritar e ser ouvido até aí que. Mais meio passo e encosto-me à portinha,
bloqueando o feixe de fazer acordar, respirando-o triste nesse hiato do nosso
tempo, calor. Volto uma porta. Esta abro clamando e entro. Vejo-me no espelho,
capturado de cara, alma aqui ainda sendo real enquanto corpo se ia pra lá
virtual, um mundo cego de só ver e morrer. O espelho era eu e eu era o espelhar
dos teus olhos. Senti-me tornar pulsão, um recalque qualquer indo-se completar
o cemitério do pudor, deixar de existir homem, materializar-me vontade, um ser
rebaixado à aspiração de ressurgir, guardado e desfalcado no limbo do tempo e
do espaço envoltantes, uma dimensão impossível. Te vejo entrar correndo no
quarto, era de canto de olho à direita, eu que só sabia refletir, tu
procurando-me, cá estou, grito enclausurado no vidro, tu procurando-me teu homem, voltara
ao esquecer-me um beijo de bom
dia vou estudar cedo hoje, não quis te acordar, mas o peito doeu do calor teu
que não senti e voltei, mas cadê tu?. Olhas em minha direção: minhas roupas caídas
voltadas pra mim, eu que sou espelhado, pega-as, ama-as em seu mais profundo
envolvimento e desaparece. Meu coração de espelho então se definha letalmente,
lentamente, toda a energia enfim se entregando ao desgosto do tempo, um amargo
tão forte capaz de envelhecer a pele nova, enferrujando a tinta prata, nada
mais preocupando, eu que não era amado. Escuto-te, então, mas já não importava
mais qualquer esperança naquele jogo de vai e volta tu, que eras incerto. Vejo-te.
Canetinha à mão, em mim escrevia saudades. Parou por um momento fitando-me a
alma que era seu reflexo em mim, uma imagem apaixonada que eu trabalhava em
construir divina, e partiu. As oito letras me enfeitando a carcaça. Naquele anseio só quis ser teu, pelo menos um pouco mais, até a
escrita evanescer do meu peito. Podia eu, então, voltar
a dormir: estava completo contigo, eu que sou ansioso.
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