Correu de mim. No auge da minha solidão, a criança corria, fugia, tremia de mim, feliz por um dia ter me visto homem. Realizado estava o menino-moço, nem velho, nem novo. Na idade certa. Na hora certa, como tudo agora me parecia vir, em um jorro que o destino mais uma vez me preparava, uma nova e boa vida. Mas não estava tudo bem assim, já que ali, parado, me olhando, estava o rapaz que, de tão bem que administrava, tirava-me de sua vida, alegre porque um dia me conhecera. Desando em fortunas aqui agora, cheio de expectativas. Se digo que não deveria tentar, é verdade, não devo. Se digo que não quero, minto, porque mentir parece mais saudável. Aquilo que estava escrito que seria somente um encontro nós já mudamos, comemos da fruta que aniquila a fome de tentar, bebemos do suco que afoga a sede de beijar. Seus cabelos nas minhas mãos se sentiram completos, eu sei; porque, da mesma forma, minhas mãos em seus cabelos descobriram o tato. Suas roupas completaram meu guarda-roupa, assim como meu abraço ofereceu segurança. Nas suas mãos me vi aquecido e confortado, ao que, em mim, eu sei, somente um encontro às escuras o mundo se torcia para organizar. Ouvi os anseios da sua boca, lábio sobre lábio que esbanjam pureza, clareza, beleza, madureza, delicadeza, certeza, vitória. Busca a mãe que ama! Desculpa o pai que erra e o irmão que do pai só não herdou o nome! Anda, joga com o outro que vai ser estrela da bola no pé! Sorria esse sorriso completo, que brilha branco um hálito feromônico! Encolhe dentro do meu abraço que parece feito para você! Esquece o que lá longe no passado começou e viva assim: só você e este de oito letras que lhe escreve. Então, numa súbita revelação, compreendo que você corre de mim. Corre, amigo, que na vida a gente só corre daquilo que tem medo [de amar]. Só não corre como o diabo da cruz.
Meses depois
Vi você passando por aí, feliz, anis, de carro novo, incompleto, secreto, quieto, matiz rubro, enganado, encaminhado, empregado, dono do seu nariz, feliz-anis, de novo o carro incompleto, secreto e quieto, roubado por mim, desencaminhado médico, desempregado médio, dono do meu anis-infeliz, o carro novo passando, eu incompleto, sem você, secreto-quieto, sem matiz, transparente, desenganado já, caminhando, empregando, dono da sua poesia, valia ter tentado e não me encontrado jogado calado rosado abandonado, valia ter amado, me amado, eu te amado, você me amando.
Ainda vale.
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* Epifania é uma súbita sensação de realização ou compreensão da essência ou do afeto de alguém. O termo é usado nos sentidos filosófico e literal para indicar que alguém "encontrou finalmente a última peça do quebra-cabeça e agora consegue ver a imagem completa". (Wikipedia)
Fernando, você não me comove - você me devasta. Suas palavras - imperiosas, cheias de fúria e verdade - demovem meu espírito. Obrigado, man. Obrigado.
ResponderExcluirAdorei como sempre ^^
ResponderExcluirLindo Fe